Por Bernardo Salgado Rodrigues*
1 – Introdução
A integração da infra-estrutura de transportes, energia e comunicações – levando-se em consideração os impactos socioambientais – devem ser tratadas com prioridade nas conferências de cúpula do Mercosul, englobando inclusive outros países sul-americanos além dos membros e associados do bloco, uma vez que a redução das barreiras comerciais por si só não é suficiente para a verificação de um aumento nos fluxos comerciais entre os países.
Os governos devem assumir a direção do processo e intensificar as obras orientadas para a efetiva integração regional sob critérios políticos e estratégicos, e não mais pelo simples estímulo do mercado ou das empresas privadas, articulando a integração física com os esforços de ampliar o comércio intrarregional e de expandir a complementação das cadeias produtivas. Neste contexto, um estudo do Conselho Sul-americano de Infraestrutura e Planejamento, COSIPLAN, serve como base para possíveis projetos de integração física no Mercosul.
Desta maneira, realizar-se-á um esforço teórico a fim de que os objetivos a serem alcançados pelo Mercosul possam ser traçados para os próximos anos. As seções serão dividas em quatro partes: uma análise da integração de transportes, da integração energética e da integração das comunicações entre os países do Mercosul, assim como entre os demais países sul-americanos, uma vez que pleiteia-se que a integração seja realizada por toda a região. Na última parte, balanços e perspectivas para um projeto de integração comercial – mas que necessita abranger muitos outros aspectos – serão realizados a fim de que intensifiquem os fluxos intracomerciais, diminuam as assimetrias regionais e aumente o poder de persuasão do Mercosul frente aos desafios internacionais.
2 – A integração estrutural
Primeiramente, há que se levar em consideração que a integração é fruto de um longo processo de construção política, com momentos de avanços e de recuos. Assim, uma série de desafios se apresentam e devem ser transpostos para que haja uma viabilidade de avanço numa integração do Mercosul e da América do Sul como um todo.
A despeito da enorme importância da infra-estrutura física na alavancagem do desenvolvimento econômico, reduzindo os custos operacionais, reforçando os pólos regionais de desenvolvimento, aumentando a competitividade dos setores que deles se beneficiam, dentre muitos outros, a difusão do desenvolvimento depende de como estes ganhos são distribuídos aos demais setores, isto é, dependem de aspectos associados à propriedade dos ativos e à política de desenvolvimento posta em prática. (MEDEIROS, 2006, P.103-105)
A integração estrutural não depende somente de uma maior capacidade de coordenação dos Estados, mas concomitantemente da existência de poder de persuasão no tocante a políticas de infra-estrutura dos mesmos, uma vez que se supõe que a partir de uma visão estratégica conjunta dos Estados – como atores centrais –, estes devem possuir a capacidade estratégica de realizar a integração pela via política e econômica.
Desta maneira, um ponto crucial que deve ser levado em consideração numa análise da integração infra-estrutural é que no plano regional, “uno de los efectos más relevantes es la superación del síndrome colonial. Uno de los legados más perversos del colonialismo es la preponderancia, aún después de la independencia formal, de los vínculos verticales con las ex-metrópolis, en detrimento de los lazos horizontales entre países de una misma región”. (LIMA; COUTINHO, 2006, p.112)
Desta maneira, a integração deve ser planejada para os países da região de forma a superar os desafios que são impostos e permitir um desenvolvimento sócio-econômico soberano. Neste contexto, o Mercosul – que fora constituído inicialmente como uma iniciativa comercialista,enquadrada na perspectiva neoliberal do regionalismo aberto, lançada nos anos 1990, mas que vem mudando sua perspectiva nos anos 2000 – busca contribuir neste processo, a partir da criação do Instituto Social do Mercosul em 2007 e do Plano Estratégico de Ação Social o Mercosul em 2008, colocando em pauta o tema social; a criação do Fundo para Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (Focem), em 2006, colocando em pauta a dimensão produtiva e das assimetrias; e o Programa de Integração Produtiva (PIP), criado em 2008, buscando contribuir para o fortalecimento da complementaridade produtiva da região e especialmente das cadeias produtivas das Pequenas e Médias Empresas (PME) regionais.
2.1 – Integração de transportes
O processo de integração dos transportes deve se relacionar, basicamente, aos modais rodoviário, ferroviário, portuário, hidroviário, no qual algumas considerações acerca dos países do Mercosul – e da América do Sul como um conjunto – serão abordados.
Uma conjunção de fatores – históricos, geográficos, econômicos e políticos – determinaram a distribuição das principais áreas de concentração econômica e populacional da América do Sul, de forma muito dispersa, concentradas na faixa litorânea, com espaços e atividades econômicas voltadas para o comércio exterior. A história de ocupação e colonização da região privilegiou o estabelecimento de pontos de conexão ao longo do litoral, a partir dos quais se organizou a exploração e ocupação do interior do continente. Assim, a infraestrutura presente atualmente no continente se apresenta como herança histórica, no qual as comunicações viárias foram e estão predominantemente articulada para os portos.
Assim, a região atualmente é caracterizada como “um vasto arquipélago com escassas conexões, realizadas através de longas rodovias (modal que participa com mais de 50% do comércio intra-regional), resultando em fluxos de longa distância com elevadíssimos custos ao comércio intrarregional. Os modais ferroviário e aquaviário (hidroviário e de cabotagem), mais baratos e característicos para transportes de grandes cargas a longa distância, além de serem ambientalmente mais favoráveis, não são adequadamente utilizados e apresentam mau desempenho”. (FIORI, PADULA, VATER; 2012)
Ratifica-se, portanto, a importância do modal ferroviário, ideal para transportes de grandes cargas a longas distâncias, que deve ter um papel maior na matriz de transportes da região, ganhando espaço em relação ao modal rodoviário. O modal ferroviário apresenta dificuldades em sua implantação, como regulação da passagem de cargas (harmonização), burocracia aduaneira, altos investimentos por quilômetro (custo fixo elevado) (FIORI, PADULA, VATER; 2012), mas que, num processo de integração de longo prazo entre as cadeias produtivas dos países, viria a trazer retornos em termos econômicos e comerciais.
Da mesma forma, o modal aquaviário possui enorme potencial no território, tanto o existente nos Oceanos Atlântico e Pacífico, como no seu interior, na Bacia do Amazonas – tomando como exemplo a Amazônia, que não possui articulações ferroviárias entre os países e a integração rodoviária é precária, enquanto apresenta um enorme potencial hidroviário subaproveitado – e do Prata – onde a integração de infra-estrutura apresenta como característica fundamental seu potencial de articulação por hidrovias naturais que interligam a região e articulando-a ao Atlântico. Ambas podem vir a ser importantes artífices de uma integração pela via marítima que complementaria e substituiria, em certa medida e em alguns espaços localizados no território, a dependência do modal rodoviário.
Com a entrada da Venezuela no bloco do Mercosul, a infra-estrutura para a integração entre a Bacia Amazônica e a Bacia do Orinoco, e para a integração destas áreas com os demais centros econômicos e políticos da América do Sul, possibilitaria o desenvolvimento e a articulação produtiva e comercial à região sul-americana mais carente em energia, transporte e comunicação, e com enorme potencial de desenvolvimento no longo prazo. De um ponto de vista estratégico para o Brasil, proporcionaria ainda acesso facilitado a portos mais próximos das rotas comerciais internacionais estratégicas que passam pelo Caribe; uma aproximação com os países da bacia do Caribe, em um contexto em que a política externa para a integração regional favorece a ampliação de sua área de atuação da América do Sul para outras regiões da América Latina e do Caribe – em consonância com o empenho brasileiro na criação e fortalecimento da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) (FIORI, PADULA, VATER; 2012).
Numa análise geopolítica, uma integração física de infra-estrutura plena da América do Sul passa também pela integração do próprio território brasileiro, uma vez que corresponde a quase metade de todo o território sul-americano; sendo assim, a própria carência infra-estrutural endógena do Brasil se apresenta como um obstáculo ao aproveitamento dos recursos da região em favor do desenvolvimento e da autonomia estratégica dos seus países, tornando-os inclusive vulneráveis à penetração de potências externas – principalmente nas riquezas inexploradas do território amazônico, por exemplo.
Num plano estratégico internacional sob a ótica da infra-estrutura de transportes, uma interligação entre os principais centros produtores e consumidores e áreas estratégicas na região deve ser priorizado, no qual deve haver uma mudança no tipo de planejamento da infra-estrutura historicamente primário-exportadora-colonial voltada para fora, contemplada na IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana) com seus corredores inter-oceânicos.
Atenta-se que os corredores inter-oceânicos podem ter um importante papel na integração da região e para os interesses estratégicos do Mercosul, dependendo do arranjo regional predominante e do conjunto de políticas adotadas. Sem dúvida, as ligações bioceânicas, cruzando o continente de uma costa a outra, interligariam seu países e dariam maior acesso a mercados extra-regionais, tanto aos espaços interiores quanto pelo acesso às margens litorâneas opostas, e por isso podem contribuir fundamentalmente para a integração física. No entanto, demandam políticas ativas que protejam a região da manutenção ou aprofundamento de suas assimetrias e de suas relações comerciais coloniais com países de outras regiões; e, assim, enfoquem no seu desenvolvimento interno, na constituição de cadeias de maior valor agregado, autonomia estratégica e domínio político dos espaços geográficos do continente por parte dos países da região.
A facilitação de fluxos e diminuição de custos proporcionados pelos corredores inter-oceânicos, se não forem acompanhados de um conjunto de políticas e de uma tarifa externa comum, podem favorecer forças concentradoras e, portanto, contribuir para o aumento das assimetrias regionais e globais, assim como funcionar como corredores de exportação de recursos naturais e de bens de baixo valor agregado, e como corredores de importação de bens industriais de maior valor agregado e intensidade tecnológica de outros países e continentes (FIORI, PADULA, VATER; 2012).
Os financiamento e investimentos em infra-estrutura dos transportes podem tanto servir à integração interna da região quanto facilitar o acesso aos seus recursos aos países de fora da região. Entretanto, um planejamento geopolítico estratégico deve ser delineado pelos países da região numa política autônoma conjunta, que priorize as relações comerciais com os países vizinhos, onde as políticas e regulações (comerciais, de investimentos, de uso do território, etc.) têm papel fundamental no futuro da região.
2.2 – Integração energética
No tocante a integração energética, deve-se atentar tanto para uma segurança energética como para um planejamento geoeconômico que abarque redes de oleodutos, gasodutos e energia elétrica.
A região é rica em potencial energético hídrico, com grande potencial inexplorado principalmente na Amazônia, com significativas possibilidades de projetos conjuntos entre países que devem ser levados adiante no futuro próximo. Da mesma maneira, o caráter geopolítico da urgência da integração e desenvolvimento da Amazônia aponta a sua centralidade, passando por um processo de solução e com participação harmoniosa dos Estados amazônicos, sem ferir as soberanias nacionais. Isto seria fundamental para afastar projetos de internacionalização e controle dos recursos da região.
Do ponto de vista de potenciais hidroelétricos na Amazônia que o Brasil deve aproveitar em conjunto com países vizinhos, pode-se destacar projetos com o Peru e a Bolívia. Quanto ao Peru, seis hidrelétricas se destacam: Inambari (2 mil MW), Paquitzapango (1.380 MW), Sumabeni (1.080 MW), Urubamba (950 MW), Cuquipampa (800 MW) e Vizcatán (750 MW) (Eletrobras, Relatório Anual 2008). Inambari seria a maior hidrelétrica do país, e o Brasil consumiria 80% da energia gerada. Com a Bolívia, podemos destacar no rio Madeira, além do Complexo Hidroelétrico de Jirau e Santo Antônio (ambas em construção), a hidroelétrica binacional Brasil-Bolívia com aproximadamente 2.000 MW de potência. (FIORI, PADULA, VATER; 2012)
No caso do tema energético na região Amazônica, além de aproveitar seu enorme potencial hidrelétrico, merece especial atenção das políticas públicas de fontes alternativas através da pesquisa, identificação e intercâmbio de tecnologias para a geração e consumo de energias adequadas à região Amazônica em harmonia com a preservação ambiental e para promover o acesso à energia elétrica das comunidades isoladas, aproveitando recursos naturais renováveis locais.
No tocante as reservas e produção de petróleo e gás na região, enquanto atualmente a produção de petróleo alcança mais de 7 milhões de barris diários, seu consumo é de cerca de 5 milhões de barris/dia, o que representa um superávit se considerado os países da região em seu conjunto; no que concerne ao gás, suas reservas na região são ínfimas quando comparadas em escala global, com participação inferior a 4%, mas estas são significativas para atender à demanda dos países da região. A produção de gás na região, ainda incipiente, alcançou 124,4 bilhões de metros cúbicos em 2011, frente a um consumo regional de 127 bilhões de metros cúbicos, mostrando praticamente um equilíbrio. (FIORI, PADULA, VATER; 2012)
Os transportes de petróleo, gás natural e de energia elétrica demandam a construção de infra-estruturas que interconectem os países, seja pela ótica do mercado (comercial) ou do ponto de vista de um arranjo que permita uma autonomia energética para os países da região.
Visualizando a região como um todo, encontram-se poucas interconexões elétricas e divididas basicamente em dois grupos isolados: um envolvendo os países do Cone Sul da região e outro mais ao norte entre envolvendo Equador-Colômbia-Venezuela.
O mapa abaixo registra a baixa densidade de gasodutos na região, concentrados em alguns poucos espaços. A ainda rarefeita malha de gasodutos da região se concentra no Cone Sul, onde a Argentina se destaca por suas interligações com diversos países – Chile, Uruguai, Bolívia e Brasil. O Gasoduto Brasil-Bolívia (GASBOL) é um gasoduto importante na região. A posição geográfica da maior parte das reservas regionais, situadas na Venezuela (especialmente no norte do país), leva à necessidade de um aumento da produção neste país e da construção de uma densa infra-estrutura de transportes de gás interligando toda região, para que se resolva os problemas de déficit energético no Cone Sul e a região se torne auto-suficiente e obtenha um seguridade energética regional. (FIORI, PADULA, VATER; 2012)
Na América do Sul, portanto, é latente a constituição de uma integração energética baseada na interdependência e em ganhos recíprocos para todos os países, através da construção de um anel energético de gasodutos, ligando as principais fontes (Venezuela, Bolívia e Peru) e mercados, uma vez que a oferta de energia é fundamental para que ocorra a implantação de projetos industriais por todos os países.
Entretanto, tal fato necessita de um empenho político no que tange a investimentos na exploração de recursos energéticos, na construção de uma infra-estrutura de interconexão energética que integre países produtores e consumidores, no qual a articulação deve ser realizada através de um planejamento e uma visão da região como um todo, observando suas ofertas e carências, a partir de uma matriz energética regional, e também construindo uma real integração física energética entre os países, cruzando toda região.
Logo, constata-se que a integração e a seguridade energética dos países da região, ao disponibilizar energia para todos os países, pode favorecer o desenvolvimento industrial e econômico em geral das economias nacionais, e assim promover a apropriação desses recursos em favor do desenvolvimento interno da região. (FIORI, PADULA, VATER; 2012)
2.3 – Integração das comunicações
A discussão sobre uma integração das comunicações no Mercosul deve-se pautar, primordialmente, nas telecomunicações, estações terrestres de recepção e transmissão de microondas, backbones, redes de cabos, fibra ótica e satélites, através do uso das mais modernas tecnologias de informática e comunicações.
Os sistemas de comunicação dos países do Mercosul atualmente se encontram duplamente dependentes: de um lado, da monopolização das comunicações no âmbito interno, concentrados em poucas empresas privadas, e de outro, dos sistemas de comunicações de outros países, onde as tecnologias de informação e comunicação – as chamadas TIC’s – são em sua totalidade sistemas importados e/ou administrados por outros países, com tecnologia estrangeira, pautando-se numa dependência tecnológica, de informações e, inclusive, de vulnerabilidade de sua segurança.
Assim, no âmbito interno, uma importante questão é dos monopólios da comunicação nos países do Mercosul e da América do Sul, onde a ausência de controle/regulação dos meios e da formação das redes ao longo do século XX possibilitou uma concentração dos meios de comunicação por pequenos grupos de pessoas, que possuem o monopólio da informação e das mídias pautados na “livre-empresa”.
A democratização dos meios de comunicação, portanto, é essencial para que haja uma maior pluralidade do conhecimento e um não monopólio/oligopólio desregulado de meios eletrônicos de informação, garantindo uma inclusão digital e neutralidade da rede. Assim, a criação de redes públicas de informação, de redes comunitárias, a construção de mecanismos alternativos, a regulamentação dos meios, a universalização da banda larga de internet como ponto estratégico para a difusão do conhecimento e democratização do acesso à informação ensejariam a construção de uma opinião pública democrática e plural, onde os países do Mercosul podem trabalhar conjuntamente a fim de desestabilizar esse controle e concentração monopólica dos meios de comunicação que se encontram em todos os países membros. Exemplos a serem seguidos são a instauração da Telesur pela Venezuela, que se pauta numa programação diversa, plural e autônoma voltada principalmente para os países latino-americanos, assim como os avanços da Argentina e do Uruguai no quesito da regulação dos meios de comunicação.
No âmbito externo, uma temática em pauta seria a formação de um grande anel continental de redes de fibra óptica, que se encontra em discussão na Unasul, no qual passaria por todos os países da América do Sul para integrar as nações num sistema de banda larga, conectando as redes de backbone que já existem em cada um dos países-membros da Unasul, o que significaria unir as espinhas dorsais da estrutura de transporte de dados de cada nação por meio de cabos de fibra óptica integrados, buscando a redução do preço da banda larga para o consumidor através da redução dos custos de comunicação.
Um projeto de integração pautada na interconexão de redes dos países da América do Sul seria de suma importância para evitar que informações enviadas a um país vizinho tenham de cruzar todo continente, até os Estados Unidos, para depois chegar de volta ao destino, como ocorre atualmente, além de aumentar a segurança e o sigilo dos dados trafegados na região, expandindo o acesso à rede mundial de computadores e barateando os custos de conexão aos provedores e ao consumidor.
Outro ponto fundamental e que retomou um debate – tanto das comunicações como da defesa – foi o caso de espionagem do governo norte-americano no Brasil, tanto de seus representantes do mais alto escalão – como a presidenta Dilma Roussef – como de uma das maiores empresas do mundo – a Petrobras –, que vem ratificar a imensa diferença e defasagem dos sistemas de comunicação, segurança e defesa entre os países da região e os Estados Unidos. Uma vez que qualquer monitoramento realizado sem autorização e conhecimento dos países membros engendra uma violação à soberania das nações, ao princípio da não intervenção nos assuntos internos dos Estados, aos tratados e convenções internacionais, aos direitos humanos fundamentais e ao direito à privacidade dos cidadãos, tal ação deve ser inclusive rebatida com algum tipo de retaliação.
Desta maneira, a consolidação de planejamentos estratégicos que culminem numa maior autonomia tecnológica nessas áreas é primordial, onde há a necessidade de que as redes de transmissão – todas elas controladas por empresas internacionais – contem com tecnologia e serviço da região, uma vez que os interesses externos nas inúmeras potencialidades do território – sejam das reservas de petróleo, da biodiversidade, do lítio, do nióbio, da água, etc – sempre existiram e continuarão a existir. Assim, a necessidade primordial de tal planejamento seria buscar reduzir a dependência tecnológica dos países da região, restringindo o “apartheid tecnológico” que lhe é imposto.
Tal debate deve ser ensejado nas futuras cúpulas do Mercosul em caráter de urgência, uma vez que o gap existente atualmente somente será revertido através de uma articulação conjunta entre os Estados da região, demandando recursos abundantes dos mais diferenciados fundos existentes, abrangendo investimentos em comunicações, ciência, tecnologia e inovação, defesa e segurança. Tal ação é imperativa para que seja ao menos amenizada tal discrepância e enseje uma maior soberania dos meios de comunicação na região.
Ações que buscam certa autonomia e soberania tecnológica e das comunicações em escala mundial – pela via de satélites – começam a ser realizadas no continente: na Venezuela, o satélite Simón Bolívar foi lançado em 2008, permitindo certa independência tecnológica a fim de democratizar o acesso a tecnologia. Em 2012, o primeiro satélite venezuelano de observação foi lançado, denominado Miranda, que permitirá ter um inventário completo do país e acesso a informação precisa do território nacional em áreas estratégicas como segurança e defesa, mineração, petróleo, agricultura, alimentação, saúde e ambiente; no Equador, em abril de 2013, foi lançado o primeiro nano-satélite, denominado NEE-01 Pegaso, focado na área científica e educativa, sendo capaz de transmitir em vídeo e em tempo real o que ocorre no espaço. Além disso, estreitou relações de cooperação com o governo brasileiro, em 2013, através de seus institutos espaciais com o objetivo de promover a transferência de conhecimentos e uma participação conjunta em projetos de pesquisa espacial; na Bolívia, com o projeto de satélite boliviano Túpac Katari, que compreende um satélite de comunicações, iniciado no final de 2012, permitirá ampliar a cobertura de internet, telefonia móvel e televisão e se encontra atualmente em fase de simulação espacial na China, com previsão de lançamento para dezembro de 2013; no Brasil, com as recentes descobertas de espionagem dos Estados Unidos, haverá o lançamento em 2015 de seu próprio satélite com a finalidade de não mais depender de satélites norte-americanos, assim como desenvolve um sistema de comunicações por cabo que se conectará à Europa e África, com o mesmo fim de se emancipação no campo das comunicações a nível mundial.
Tais ações orquestradas pelos países membros e associados do bloco são necessárias, mas deve-se atentar que se um projeto conjunto entre esses países fosse realizado, com uma integração das ações voltadas para a independência das comunicações mundiais, os custos operacionais e os benefícios coletivos seriam muito maiores e melhor aproveitados por esses países, fortalecendo sua posição de independência tecnológica e das comunicações. Tal exemplo pode ser constatado com o satélite venezuelano de observação Miranda, que buscará fortalecer o processo de integração sul-americano, uma vez que outros países da região poderão se beneficiar a partir de acordos de cooperação com a Venezuela, incluindo uma complementaridade no âmbito científico-espacial.
3 – Balanços e perspectivas
Em suma, buscou-se realizar um pequeno balanço das ações realizadas e das perspectivas para que uma integração da infra-estrutura do Mercosul e dos demais países sul-americanos fosse viável. Os desafios postos são inúmeros, tanto endógenos como exógenos, no qual uma articulação político-estratégico conjunta de todos os países e de suas respectivas sociedades será mais do que necessário, através de um processo de integração que priorize as economias e os fluxos comerciais entre os países da região para um desenvolvimento conjunto e soberano.
Assim, para Maria Regina Soares de Lima Marcelo Vasconcelos Coutinho (2006), “la concepción de región acoplada a la idea de integración física y energética es distinta de la noción de regionalismo abierto, más cercana a la idea de un espacio de flujos no territoriales. Al contrario, la región como integración física y productiva supone un concepto de espacio de lugares nacionales. La vinculación entre Estados en una misma región supone territorialidad y contigüidad”.
Em contrapartida a um regionalismo aberto na região, em 2009 foi criado o Conselho de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) dentro de um processo de institucionalização da integração regional. A criação do COSIPLAN almeja alcançar maior controle e respaldo político por parte dos governos sobre o tema da infra-estrutura, e a partir disso avançar para uma visão política e estratégica e uma maior capacidade de alavancar recursos e gerar diferentes formas de financiamento.
De fato, o COSIPLAN apresenta em seu discurso, princípios e objetivos, uma tentativa de responder às principais críticas vinculadas à IIRSA, por diferentes atores e visões. Busca, assim aproximar os governos e dar maior respaldo político aos projetos de infra-estrutura, ganhando maior capacidade de mobilização e alavancagem de recursos, incluindo a variável político-estratégica, buscando privilegiar projetos de maior impacto regional, estruturantes (não projetos fragmentados e dispersos); articular os projetos com a integração produtiva e com o combate às assimetrias regionais; buscar o diálogo com comunidades envolvidas, uma maior aproximação e apoio das sociedades dos países, e considerar variáveis socioambientais. Assim, a iniciativa do COSIPLAN de caráter político estratégico é essencial para uma integração física autônoma na região; basta somente que o discurso seja efetivado na prática, devendo inclusive os formuladores de políticas do Mercosul atentar para as possíveis críticas e sugestões oriundas da implementação do COSIPLAN, a fim de que possam realizar empreendimentos da mesma envergadura entre seus países membros.
Deve-se criar modelos de integração que contemplem as especificidades da região e as necessidades que precisam ser superadas para que haja um maior fluxo comercial, de pessoas, de informações tanto entre os seus respectivos países membros como entre a própria população em si. A cópia pura e simples de modelos de integração consideradas a priori como modelos universais e que poderiam ser aplicados de modo eficiente em qualquer lugar não condiz com as idiossincrasias dos países sul-americanos e principalmente dos membros do Mercosul. Tais modelos no passado se mostraram aquém das necessidades reais que se apresentam cada dia mais complexas na região, e que precisam ser debatidas a partir de uma articulação de seus problemas infra-estruturais endógenos e que somente poderão ser superados com o diálogo, disposição política e complementaridade simétrica e igualitária entre os países membros.
Busca-se uma forma de integração industrializante, baseada no comércio entre bens industriais de alto valor agregado e intensidade tecnológica, em ganhos de escala e de produtividade, com um amplo mercado ao seu dispor, promovendo a industrialização e a convergência produtiva e tecnológica nos países da região, de acordo com as suas idiossincrasias históricas, políticas, econômicas, culturais e geográficas.
A busca pela redução das assimetrias produtivas, econômicas, sociais e tecnológicas entre os países do Mercosul deve ser o objetivo a ser alcançado. Para isso, é necessário prover uma integração da infra-estrutura adequada a estes objetivos.
Bibliografia
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* UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestrando em Economia Política Internacional do Programa de Pós-graduação em Economia Política Internacional – PEPI e pesquisador do LEHC.
* Este texto foi publicado nos Anais do XIV Congresso Internacional do Fórum Universitário Mercosul – FoMerco.