Ukrainian President Poroshenko Addresses the Media

Foto: Departamento de Estado dos EUA

O texto discute os desafios internos e externos que serão enfrentados pelo novo presidente ucraniano. Entre os externos está o difícil equilíbrio de interesses entre os vários imperialismos. Entre os internos o mais difícil é o duplo desafio imposto pelo processo de derrubada do anterior presidente: a ascensão dos fascistas e de suas milícias e o separatismo antifascista do sudeste ucraniano.

A presidência instável de Petro Poroshenko*

Por Carlos Serrano Ferreira**

As eleições presidenciais que transcorreram no dia 25 de maio na Ucrânia ocorreram com sérios problemas de legitimidade, com denúncias de fraudes – como as fotos que circulam na internet com votos arrumados dentro das urnas – e, principalmente, a não participação nas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk. Nesta última, segundo a Comissão Nacional Eleitoral – que está obviamente interessada em inflar números – apenas um terço dos eleitores inscritos participaram (UKRINFORM, 2014a). Apesar disso, no dia 7 de junho, Petro Poroshenko, o magnata do chocolate, com atuação em outras áreas econômicas, e primeiro oligarca a publicamente apoiar o EuroMaidan, tomou posse como novo presidente ucraniano. Note-se que sua característica política central é o pragmatismo, tendo apoiado primeiro Leonid Kuchma, para depois mudar para o lado da chamada “Revolução” Laranja; participou do primeiro governo de Yulia Timoshenko, mas sempre com atritos; e, também do governo de Viktor Yanukovich, que depois ajudou a derrubar. Ao que tudo indica, Petro Poroshenko tem apenas um lado certo e imutável a defender, o seu.

Poroshenko procura realizar mudanças nas relações externas, mas trará poucas (ou nenhuma) mudanças internas. Na verdade, com a nova constituição colocada em vigência pelos golpistas, o presidente tem seus poderes diminuídos e só pode substituir dois ministros – os da Defesa e o de Relações Exteriores (UKRINFORM, 2014b), o que significa que com a manutenção sob a nova presidência do primeiro-ministro do governo interino, Arseniy Yatseniuk, o gabinete permanecerá em grande parte o mesmo.

O novo presidente ucraniano procura se equilibrar numa situação complicada externamente entre os interesses imperialistas russos, alemães e estadunidenses, e as forças políticas internas que se apoiam nessas forças externas: os fascistas do Svoboda e Pravyi Sektor (ligados aos EUA, mas que se movem centralmente pelos seus próprios interesses); o UDAR (ligado à Alemanha); o ‘Pátria’ de Yulia Timoshenko (ligado também aos EUA), o Partido das Regiões (ligado à Rússia) e o Partido Comunista e as forças independentistas da Ucrânia Oriental. Um de seus limites para governar é um Congresso Nacional não representativo do conjunto da Ucrânia, que ele mesmo afirma ser “uma grande parte de nosso problema no Leste” (DIEHL, 2014). Em seu discurso de posse afirmou que o parlamento “já não representava os interesses do país por estar fora de contexto” e que irá “convocar eleições antecipadas, para o povo escolher os seus representantes” (JORNAL DE ANGOLA ONLINE,2014).

Poroshenko tem como um dos seus principais apoiadores Vitali Klitschko, o novo prefeito de Kiev, e o seu Ukrainian Democratic Alliance for Reform (UDAR), partido construído pela democracia-cristã alemã. Os interesses imperialistas germânicos aproximam-na da Rússia: sua dependência energética do gás russo e as centenas de empresas alemãs instaladas no gigante euroasiático. Mas, há um fator geopolítico mundial que os aproxima: como diz Wallerstein, o “pesadelo da Rússia, como da Alemanha, não é uma guerra China-Estados Unidos, mas uma aliança China-Estados Unidos (uma que incluísse ao Japão e à Coréia também)” e a “única maneira que tem a Alemanha de diminuir esta ameaça a sua própria prosperidade e poder é uma aliança com a Rússia” (WALLERSTEIN, 2014). Por isso, apesar da política de alinhamento atlantista com o imperialismo estadunidense praticada por Angela Merkel (CDU), as grandes corporações pressionam pela normalização das relações, procurando um retorno à era dourada germano-russa do governo de Gerhard Schröder (SPD). O ministro das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier (SPD) trabalha nesse sentido, e o novo presidente ucraniano é chave para a consecução disso. Steinmeier enfatizou a necessidade de se restabelecer o diálogo com o Leste da Ucrânia (UKRINFORM, 2014c). O porta-voz do governo alemão reforçou a pressão sobre o Kremlin, afirmando que “é importante que a Rússia encontre uma “abordagem construtiva” com o novo líder ucraniano” (UKRINFORM, 2014d).

Contudo, essa reaproximação germano-russa é dificultada pela ação estadunidense, como afirma Wallerstein (2014). Como a pressão feita através dos EUA e de seu aliado europeu, o Reino Unido, através do G7 reunido no dia 5 de junho, de que para evitar sanções mais duras Putin deve atender no prazo de um mês à três condições: “reconhecer a eleição de Petro Poroshenko, conter o avanço de armas da Rússia para a Ucrânia e cessar seu apoio aos grupos separatistas pró-russos concentrados no leste do país” (IG SÃO PAULO, 2014). Este lance americano é extremamente inteligente: Putin atua já neste sentido, contudo, com o ultimato estadunidense, fica numa situação difícil para agir, pois pode parecer um ato de fraqueza. E, em política, em particular política internacional, a aparência tem muito mais peso que as vontades e os conteúdos das ações. O que joga a favor da Rússia, da Alemanha e Poroshenko, e contra os EUA, é que “em geopolítica, o que tem sentido é uma restrição à qual não pode afetar muito insistir em diferenças ideológicas” (WALLERSTEIN, 2014). Isto se materializa concretamente nas dificuldades, reconhecidas por Obama, de sanções concretas em setores-chave da economia russa, pois “poderiam ter um impacto ainda maior em toda a Europa por causa de laços econômicos com Moscou” e que por isso “não necessariamente espera que todos os países europeus concordem com essas ações” (IG SÃO PAULO, 2014). “As reuniões de Putin com Cameron, Hollande e com a chanceler alemã Angela Merkel ilustram como os líderes europeus e Obama têm tomado estratégias diferentes para lidar com o presidente russo depois de tentar isolá-lo por seus movimentos na Ucrânia” (IG SÃO PAULO, 2014).

Poroshenko já em seus primeiros momentos ainda antes de sua posse demonstrou que busca estabelecer uma ponte com o imperialismo russo, dizendo que “deseja se reunir com o presidente russo, Vladimir Putin, para buscar uma saída à crise ucraniana”, pois como ele afirmou “sem a participação da Rússia não é possível falar de uma verdadeira segurança na nossa região” (EFE, 2014a). Chegou a afirmar, para demonstrar intimidade com o líder do Kremlin, que “Putin e eu nos conhecemos muito bem” (EFE, 2014b). E já tinha anunciado no dia 26 para o início de junho uma viagem à Rússia, e que não seria apenas um “aperto de mãos”, por isso o tempo de preparação (EFE, 2014b). Por sua vez, Putin através do Ministro de Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, estendeu publicamente a mão ao oligarca do chocolate, dizendo que “temos declarado em repetidas ocasiões que estamos preparados para o diálogo com Kiev e o diálogo com Petro Poroshenko” (LA VANGUARDIA.COM, 2014) e o Chefe de Administração do Presidente russo, Sergey Ivanov disse que “Nós respeitamos a escolha do povo ucraniano” (UKRINFORM, 2014e). Mas, Lavrov deixa claro que não querem a mediação de ninguém, nem dos EUA, nem da UE, ou de forças políticas locais (LA VANGUARDIA.COM, 2014). Na verdade, busca uma saída honrosa que garanta o que já conseguiu, a Crimeia, e que coloque seu recuo como ação autônoma, e não como uma ação produzida por pressões das demais potências imperialistas, o que o poderia fazer aparentar uma debilidade que o enfraqueceria externamente e diminuiria a popularidade interna conquistada com os últimos acontecimentos.

As declarações iniciais de Poroshenko confirmaram sua posição em relação à Rússia. Mas, para que não fique dúvida sobre o outro lado da ponte que quer estabelecer, afirmou também que “Minha prioridade será a integração europeia, lutar contra a corrupção, modernizar o país e reformar radicalmente o sistema de poder na Ucrânia” (EFE, 2014b). E anunciou que continuará a ofensiva militar no Leste, o que cumpriu, tipificando os movimentos antifascistas de terroristas anunciou que “não haverá negociações com os terroristas” e “aqueles que se neguem a depor as armas não se beneficiarão da anistia” (EFE, 2014b). Note-se que a retórica de ataque aos antifascistas e anti-imperialistas na Ucrânia Oriental deslocou-se das acusações de que são pró-russos e agentes de Moscou, que vinha sendo trabalhado pelo governo golpista interino, para a de “terroristas”. Desta maneira, em abstrato e sem outras adjetivações, comparando-os aos milicianos somalis, dizendo que “A federalização é indiferente para eles, não se importam em nada com a língua russa. O objetivo é transformar Donbass (leste da Ucrânia) na Somália” (AFP, 2014). A escolha da comparação não é por acaso, mas cuidadosamente escolhida. Ela remete ao caos que uma guerra civil na Ucrânia poderia trazer ao país, lembrando a fome e a desestruturação que a Somália vive desde o início de sua guerra civil em 1991; desqualifica os militantes da região, colocando-os como meros clãs em disputa pelo poder e recursos, como os clãs somalis; e, por fim, coloca a possibilidade de uma intervenção russa na região para atacá-los, tentando estabelecer uma ponte com a decisão russa em 2008 de intervir, ainda que de forma independente das operações feitas pelo Ocidente, nas águas somalis para combater os piratas que atuam na região (RIA NOVOSTI, 2008).

Porém, já sobre o problema da Crimeia, a retórica do novo presidente em relação à Rússia deslocou-se de posições mais agressivas do governo anterior para uma política de questionamento legal (UKRINFORM, 2014f). Ainda assim, em seu discurso de posse, como não poderia ser diferente – tendo em vista as pressões internas – afirmou que “A Rússia ocupou a Crimeia, que foi, é e será ucraniana. E isto disse ontem aos dirigentes russos na Normandia nos festejos pelo 70º aniversário: A Crimeia é e será ucraniana. Ponto final” (EFE, 2014c). Sobre a questão do Leste ucraniano assinalou nesse mesmo discurso que buscará dialogar com as regiões, com “um projeto de descentralização do poder, com a garantia do uso da língua russa em suas regiões” (EFE, 2014c), mas que não negociará com os líderes separatistas, a quem nomeou de ‘bandidos’ (EFE, 2014c). Busca também ‘parceiros legítimos’ para o diálogo e por isso convocará eleições municipais (EFE, 2014c).

A tentativa de reaproximação com a Rússia de Poroshenko caminha no sentido apontado por Zbigniew Brzezinski de uma finlandização da Ucrânia (ATLAS, 2014), tendo o magnata já dito que assinará a parte econômica do tratado com a UE, mas que não entrará na OTAN (SHAUN, 2014a). A entrada na OTAN é uma linha vermelha que Putin não quer e nem pode aceitar que seja transgredida. Uma Ucrânia na OTAN seria posicionar as tropas e os mísseis – viabilizando o escudo antimíssil, projeto de Bush filho – nas fronteiras diretas com a Rússia e fecharia o cerco sobre esta no lado ocidental. Contudo, como declarou Sergey Lavrov em início de junho, a Rússia não criaria problemas para a Ucrânia caso esta assine a parte econômica do Acordo de Associação com a UE (UKRINFORM, 2014g). Poroshenko por sua vez já anunciou que assinará e que este será um primeiro passo para a entrada na União Europeia (EFE, 2014c). Contudo, as declarações na posse de Poroshenko contrariam parcialmente o que significaria um plano de finlandização ao negar uma federalização. Ele afirmou que “Os sonhos de federalização não têm fundamento na Ucrânia. Os conselhos locais receberão novas faculdades, mas a Ucrânia foi e será um Estado unitário” (EFE, 2014c). Negou até mesmo uma das bandeiras principais dos antifascistas do Leste que é o direito ao estatuto oficial da língua russa, o que denota sua capitulação às pressões dos fascistas e dos setores mais à direita no espectro político ucraniano, como o Svoboda e o Pravy Sektor, insistindo que o único idioma oficial será o ucraniano (EFE, 2014c).

Contudo, os desafios internos são os mais difíceis e podem comprometer sua política externa. Ele assume uma economia em crise, com uma queda de 2% do PIB no primeiro trimestre (AFP, 2014b), e com um acordo com o FMI que lhe levará a medidas impopulares, impondo inclusive determinantes políticos e aumentando a dependência econômica e a perda de soberania. Uma possível “ajuda” mais ampla do FMI caso se perca o Leste do país – somados Kharkiv, Lugansk e Donetsk representam 21% do país e 30% da produção industrial – trará consequentemente novas medidas contra a população ucraniana (AFP, 2014c). Entre as que já constavam do primeiro plano de ajuste, uma das mais brutais foi o aumento, materializada em 1° de maio, do aumento de 50% no preço do gás para as residências, sendo previsto num novo aumento de 40% que deve ocorrer nos próximos dois anos (AFP, 2014d).

A sua política de manter o atual governo, o que inclui os setores fascistas, ao mesmo tempo que enfrenta o desafio imposto pelos antifascistas no Leste impõem um desafio conjunto: por um lado, como combater os separatistas com um exército não só despreparado – o que levou o governo interino a reinstaurar o serviço militar obrigatório (AFP, 2014d) – e que vem se recusando a enfrentar a população no Leste do país, com várias deserções e resistência popular – como em Andriivka, à quilômetros de Slaviansk, onde os blindados ucranianos foram recebidos com gritos de “”Voltem para casa!” e “Vergonha!”” (AFP, 2014e); e ao mesmo tempo, como diminuir a dependência das milícias fascistas formadas pelos militantes do Svoboda e do Pravy Sektor, incorporados à estrutura oficial com a Guarda Nacional?

Estas milícias podem ser úteis ao governo em Kiev hoje, mas podem se voltar contra Poroshenko no futuro. É sintomático que o NY Times tenha dado esta manchete no dia 23 de maio: “Ukraine Faces Struggle to Gain Control of Militias, Including Those on Its Side” (ROTH, 2014). De fato, a derrubada de Yanukovich e a vitória da fração oligárquica de oposição só foram possíveis graças a essas milícias fascistas. Foram os grandes responsáveis pela manipulação dos fatos, criando ataques a militantes da própria oposição e a utilização de franco-atiradores contra as próprias manifestações, para reverter o refluxo produzido pelo acordo vantajoso (1) – ao menos no curto prazo – oferecido pelo imperialismo russo e justificar o uso de sua táticas violentas, sendo diretamente responsáveis pelo sangue derramado em Kiev. Entre os ataques a militantes da oposição, estão os encenados contra militantes das próprias organizações fascistas, ou com intensas ligações, como “Tetyana Chernovol, hoje oficialmente desligada da UNA-UNSO [… mas que] entrou com 17 anos na UAN-UNSO e foi sua secretária de imprensa posteriormente” (FERREIRA, 2014a). Todavia, os meios de comunicação ligados à fração oligárquica na oposição não citaram esse passado “mesmo quando ela sofreu uma suposta agressão perpetrada pela polícia de Yanukovich e isto foi um dos elementos para que as mobilizações que vinham refluindo crescessem novamente” (FERREIRA, 2014a). Outro exemplo foi o alegadamente sequestro pela polícia do também membro da UAN-UNSO, organização fascista que é parte do Pravy Sektor, Dmytro Bulatov. Este foi posteriormente nomeado ministro da juventude e dos esportes no governo interino (FERREIRA, 2014a). E, quem afirma a ligação dos fascistas com os franco-atiradores que assassinaram os militantes do EuroMaidan não foi o Kremlin, “mas aliados europeus: numa conversa vazada entre o ministro das Relações Exteriores da Estônia, Urmas Paet, e a chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, ele afirma que ‘Fica cada vez mais evidente que por trás dos franco-atiradores não estava (o presidente Viktor) Yanukovich, mas alguém da nova coalizão’ e ainda que ‘é preocupante que a nova coalizão não queira investigar’” (FERREIRA, 2014a). Na verdade, o “golpe foi garantido com o cerco ao Parlamento por milícias fascistas e ameaças que levaram a renúncia de vários dos parlamentares apoiantes do governo ou impediram mesmo a participação deles na sessão da Verkhovna Rada (Parlamento Ucraniano)” (FERREIRA, 2014a).

Porém, com o resultado pífio nas eleições – com Oleh Tyahnybok do Svoboda alcançando apenas 1,16% e Dmitry Yarosh do Pravy Sektor obtendo apenas 0,7% (ЦЕНТРАЛЬНА ВИБОРЧА КОМІСІЯ, 2014) – os fascistas ucranianos são ainda mais empurrados à via insurrecional para a tomada total do poder. A tentativa de Poroshenko recosturar as relações com Moscou pode levar aos setores de extrema-direita a retornar à Praça da Independência em Kiev – de onde nunca saíram de verdade – e mirar suas armas contra ele. A saída que aponta o novo presidente é buscar o apoio militar de Washington (DIEHL, 2014), o que pode por sua vez empantanar a normalização de relações com a Rússia. No entanto, esse pedido já foi atendido por Barack Obama em sua viagem pela Europa, iniciada no dia 3 de junho último, com o anúncio de uma ajuda militar suplementar de cinco milhões de dólares em equipamentos, fora o seu pedido ao Congresso Americano de um bilhão de dólares para aumentar a presença militar estadunidense na Europa (AP, 2014).

O que está claro é que as forças antifascistas da Ucrânia Oriental não confiam nesse novo presidente, e cada vez menos no imperialismo russo. A Rússia tem uma política distinta para essas regiões que em relação à Crimeia, onde havia um forte interesse geopolítico na base militar de Sebastopol. Putin atuou claramente contra os referendos em Donetsk e Lugansk e assumiu que aceitaria o novo governo eleito em Kiev. Isto se deve ao medo do contágio nas fronteiras russas com o fortalecimento dos movimentos separatistas caucasianos e a reprodução da política de nacionalização dos oligarcas ucranianos anunciada em Donetsk – como das indústrias de Rinat Akhmetov, política ainda não efetivada (SHAUN, 2014b) – afinal, Vladimir Putin é o líder dos oligarcas russos. Jogar com a autodeterminação nacional dessas novas repúblicas é extremamente perigoso para os interesses do Kremlin. O governo de Putin é conservador e tem mais proximidades com organizações fascistas que com organizações antifascistas, democráticas ou de esquerda. Sua diferença com os fascistas ucranianos se relaciona com sua disputa geopolítica e seus interesses imperialistas. Uma prova disso foi o apoio dado pelas organizações de extrema-direita europeias, como a Frente Nacional da França, às ações russas na Crimeia e na Ucrânia (AMES, 2014). Isso levou, inclusive, à saída recente da maior organização fascista ucraniana, o Svoboda, da articulação fascista Aliança dos Movimentos Nacionais Europeus (TIAHNYBOK, 2014), onde estava desde 2009 como o único partido de fora da União Europeia (OLSZAŃSKI, 2011).

Está cada vez mais claro que Moscou aceitou tacitamente a reconciliação com Kiev através de Poroshenko, com suas declarações de que aceitará o resultado das eleições e que busca negociar com o novo presidente; com a retirada de suas tropas da fronteira ucraniana, assumida no dia 29 de maio pelo secretário de Estado estadunidense, John Kerry (MARTINS; ROCHA,2014); e culminando com a concordância entre Poroshenko e Putin na proposta de um cessar-fogo, anunciando que desta forma Moscou de fato não interferirá em apoio, não mais que discursivamente. Segundo Putin declarou, o problema deve ser solucionado sem a Rússia, diretamente entre “autoridades de Kiev e os partidários da federalização no leste” (EFE, 2014d). Esse acordo foi sinalizado primeiro numa reunião de 15 minutos entre os dois na França durante as comemorações dos 70 anos do desembarque na Normandia. Pode se notar claramente esse comprometimento por parte da Rússia, pois quem transmitiu a notícia foi a agência russa Ria Novosti, que “assegura que ambos apelaram ao fim do derramamento de sangue e das acções militares” (RÁDIO RENASCENÇA, 2014). Denotando o papel intermediário e interessado da Alemanha, sabe-se que Putin, Merkel e Poroshenko conversaram juntos sobre a situação ucraniana (UKRINFORM, 2014h). Outro sinal da “boa vontade” russa foi dado por Vladimir Putin ao anunciar que a Rússia e a Ucrânia estão perto de um acordo que resolveria a disputa em torno ao fornecimento de gás, pois paira ainda a ameaça de corte pela Rússia desse fornecimento caso a Ucrânia não salde suas dívidas (ISTO É DINHEIRO, 2014).

Um dos maiores indícios da mudança de Moscou em relação aos antifascistas ucranianos é que está a mandar tropas suas não oficiais para reprimir as milícias antifascistas. O Batalhão Vostok, composto por tchetchenos que lutaram na Geórgia em 2008 sob comando russo, “expulsou pró-russos do interior do edifício e ordenou a remoção das barricadas” (MARTINS, 2014). Sem entrar em detalhes ou caracterizar as forças em conflito, o porta-voz da operação militar de Kiev contra os separatistas antifascistas, a quem Kiev nomeia de terroristas, afirmou que ““According to live data, sometimes, armed conflicts emerge among the terrorists, who remained in Semenivka and Sloviansk. They bombard each other from mortars and artillery” (UKRINFORM, 2014i).

Contudo, em relação ao cessar-fogo, dificilmente Poroshenko poderá efetivá-lo, pois as pressões internas sobre ele por isso seriam tremendas, já que na altura atual significaria aceitar o controle dos antifascistas sobre uma fatia do território. E, por sua vez, poderia também denotar sua falta de controle sobre as milícias fascistas que poderiam continuar a atuar à sua revelia, minando sua autoridade política.

As forças antifascistas, numa atitude que denota independência frente ao Kremlin, costuraram a unificação das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, com a assinatura pelo primeiro-ministro da primeira e o presidente da segunda de tratado que constitui o Estado Federal de Novorossiya. Já afirmaram sua posição em relação às eleições, demonstrando sua determinação com as palavras do governador popular de Donbass: “Nós só iremos tomar uma posição de reconhecimento do governo do presidente eleito se eles estiverem dispostos a reconhecer a independência das repúblicas da Bacia do Don. Em segundo lugar, eles devem retirar imediatamente suas tropas para fora dos limites das nossas repúblicas populares e cessar todas as hostilidades”, acrescentou o governador popular da Donbass.” (VOZ DA RÚSSIA, 2014).

Poroshenko está numa posição complicada: sua tentativa de mediar entre o Ocidente e a Rússia e entre as diversas forças políticas ucranianas, incluindo os fascistas, é uma tarefa do mesmo grau de dificuldade de andar de monociclo numa corda estendida a 100 metros de altura e sem instrumentos de segurança. Pode ser possível, mas o risco que as coisas saiam errado é enorme. O que é certo é que seu governo sofrerá de uma instabilidade permanente e pode não chegar ao fim.

(1) O acordo viabilizava a economia ucraniana no curto prazo, oferecendo “a compra de US$15 bilhões em títulos da dívida ucraniana; e um relaxamento no principal elemento a pesar na contas […] sobre o qual a UE nada poderia oferecer: uma substancial redução do preço do gás russo (caindo da faixa entre US$ 395-410 por 1.000 metros cúbicos para US$ 268,50). Só esta última medida representará uma economia de US$2 bilhões por ano”. (Ferreira, 2014b).

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* Texto publicado originalmente em Revista Espaço Acadêmico, v.14, n.160, 2014.

** Carlos Serrano Ferreira é pesquisador do LEHC, mestre em Ciência Política e doutorando na mesma área na Universidade de Lisboa.